sexta-feira, 4 de maio de 2018

Ficar parado contradiz a natureza

Por Leonídio Gaede

Considero o equilíbrio sobre duas pernas uma grande façanha do ser humano. Pode estar nisso não só um princípio de sobrevivência, mas também de aperfeiçoamento do viver. Uma mistura de motivos tornou-nos bípedes. A necessidade de disputar alimento é um deles. Enfrentar concorrentes e predadores adaptou nosso corpo à prática de apanhar frutas no pé, ampliando a fronteira do mercado de oferta do alimento e adquirindo vantagem sobre seres que permaneciam restritos ao ato de comer frutas do chão.
 Além disso, erguer a parte dianteira do corpo mais que dobrou a nossa estatura. Isso ampliou o campo de visão enormemente. Passamos a olhar por cima do capim da savana e vislumbramos nosso inimigo predador a uma distância maior. Isso desenvolveu a reflexão sobre o leque de possibilidades de nossas ações: enfrentar, afastar, desviar ou esconder.
Em terceiro lugar, colocar-se de pé modificou a estrutura do pescoço e da coluna vertebral. Segurar a cabeça com o pescoço em posição vertical possibilitou modificações que sofisticaram a emissão de sons. Isso se associou à liberação da língua do bruto serviço de catar alimento, coisa assumida pelas mãos. Encurtando o caso, desenvolvemos nosso corpo e nossa mente por um misto de necessidades e novas perspectivas.
Temos a forma que temos por causa da necessidade do movimento. A forma de forquilha com duas fortes articulações no vértice, envolvendo os dois ossos mais longos e uma forte bacia de encaixe, só faz sentido com o imperativo do movimento. Dizer não ao movimento quer, por isso, dizer agir contra a natureza. As aves também se tornaram bípedes quando destinaram os membros superiores ao voo. Elas, porém, não têm o final do tubo digestivo e nem do aparelho reprodutor entre as pernas na parte inferior do corpo. A complexidade da musculatura que nas aves foi para as asas, para nós foi para o assoalho pélvico. Nosso movimento de pernas desenvolve a musculatura dessa área de tal forma que adquirimos um assoalho capaz de resistir à pressão que vem de cima devido ao nosso corpo ereto. Essa desvantagem de carregar a pressão que vem de cima é muito pequena, tendo em vista a grande vantagem que adquirimos com a possibilidade do movimento em relação à pressão que vinha dos lados, de nossos concorrentes e predadores.
Não só a forma do corpo, mas também o regime alimentar que adotamos é adaptado à necessidade do movimento. Ingerimos alimentos para constituir-se em energia a ser consumida pelo movimento. Não havendo este, os alimentos tendem a encapsular nossas vísceras com gordura.
Não procuro provar a cientificidade do que acabo de afirmar acima. Só sei que o neurobiólogo Humberto Maturana, chileno, com o seu jeito de aplicar psicologia à biologia, convenceu-me a ser um corredor de rua. Para ser isso, a convicção se faz necessária. Ela constrói a força de vontade. Drauzio Varella diz que não costuma alongar-se antes de sua corrida matinal, pois ficar esse momento por aí poderia representar o risco de voltar para a cama. É mais ou menos isso. Há mais de dez anos, meu relógio desperta-me às 6h da manhã e ainda o mantenho longe da cabeceira da cama para não correr o risco de desliga-lo e voltar a dormir. Também por isso busquei reforçar minha convicção com a reflexão sobre as primícias da vida que pertencem ao Senhor com base em textos como, por exemplo, Provérbios 3.9 e Romanos 11.16. Resolvi ofertar os primeiros 10 por cento das horas do meu dia na forma de atividades que mantêm e melhoram a obra de Deus que é a minha vida. Assim veio a convicção. Ela só, porém, não bastou. Depois dela veio o reforço da sensação de prazer. Toda corrida é seguida de uma enorme sensação de prazer. Querer voltar a ter essa sensação, que acrescenta qualidade de vida ao dia, faz a gente voltar a correr no dia seguinte. Em terceiro lugar, estão os resultados. Entre estes, os clínicos são importantes. É compensador receber apenas elogios do médico que analisa o resultado da bateria de exames do check-up.

Há, porém, outros resultados igualmente gratificantes que interferem na qualidade de vida: o bom funcionamento intestinal, a manutenção da boa percepção de lateralidade, o equilíbrio e a noção de distância, coisas que tendem a diminuir com o avanço da idade. Também a capacidade de concentração e a paciência são desenvolvidas pelo hábito da corrida. Afinal de contas, nem sei o que exige mais nesse nosso modelo de vida comandado pela pressa: resistir fisicamente numa maratona ou ter paciência de repetir ininterruptamente o mesmo movimento durante duas horas, como foi o caso da minha última meia maratona em Tubarão (SC).

LEONÍDIO GAEDE é teólogo, mestre em
Teologia e ministro da IECLB em Itati (RS)

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